20 de out. de 2010

Entrelaçados

Ela não podia ter muitas certezas em sua vida, porém tinha algumas. Uma delas era que ela amava. Amava um garoto cujos cabelos eram loiros e olhos límpidos como cristal. Estava claro para ela o fato de que não existia razão suficiente para continuar a viver sua vida, se não pudesse fazê-la ao lado dele. Queria saber de todos os passos, pensamentos, atos, manias e hábitos dele. Queria que a única certeza de sua vida fosse ele. Mas o tempo não permitiu, e diversas vezes tentou os separar definitivamente. Dessa vez, ela achava que ele finalmente havia conseguido. Não haviam trocado palavras, olhares, suspiros há tempo demais. E ela ainda o tinha em sua mente, como se fosse recente a história que compartilharam. 
Estava chovendo intensamente, o que estava acontecendo bastante. Ele fugia das gotas da chuva que atingiam bruscamente suas roupas e pele, que ficaram encharcadas rapidamente. Fazia o possível para cortar caminho e chegar em sua casa o quanto antes. Déjà vu. Quando se deu conta, estava em frente a casa dela. Tantas lembranças, tantos momentos... Questionava-se se seria uma boa idéia chamar por ela em uma hora daquelas. Estático, já não podia mais fugir. Nem da chuva e nem de nada. Contudo, vinha um carro em alta velocidade em direção ao garoto paralisadamente hipnotizado por seus pensamentos que falavam mais alto do que nunca. Em decorrência da intensa chuva, o freio do carro não pôde impedir que um acidente acontecesse naquele instante.
Ela ficou sabendo sobre o incidente naquela mesma tarde chuvosa. Angustiada e sem ação, pensava desesperadamente em algo para fazer, algo que pudesse o ajudar naquele momento. Não queria que ele partisse para sempre. Porém, o que mais a desestabilizou foi saber que o acidente havia ocorrido em  frente a casa dela, isso significava que ele havia passado por lá e, consequentemente, parado naquele local. Talvez ele ainda a amasse, pensou ela.  Notícias chegaram depressa a ela e ficou sabendo que ele precisava urgentemente de um transplante de coração para sobreviver. Sem mais, decidiu instantaneamente que cometeria suicídio em nome dele, com o único e óbvio objetivo de doar a ele seu sofrido coração que, apesar de tudo, ainda batia.
Pulou da janela do último andar de seu prédio. Antes de tal ato, escreveu um curto bilhete, informando a razão de ela ter feito o que fez.
" Não tinha intenções de cometer suicídio, porém não tive outra escolha. Ao saber que me único e eterno amado havia sofrido esse acidente, logo em frente a minha casa, comecei a ter idéias de que talvez ele sentisse por mim, o mesmo que sinto por ele. Não encontro mais razões para continuar a viver, se não for o acompanhando pelo resto de sua vida. Então, deixo para ele meu coração, com tudo que sinto e senti. Enquanto esse coração bater, seja em mim, ou nele, estaremos para sempre juntos. Adeus. "
Apesar do desespero de sua família, o coração foi doado ao garoto, que agora vivia em decorrência do transplante.
Dizem que quando um órgão é doado, o receptor pode herdar características próprias do doador. E então estavam, dessa forma, juntos em um só corpo.

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